segunda-feira, 17 de junho de 2019

SOBERANIA NACIONAL! Texto do Geferson Kern sobre a Império Endurance Brasil


    
          Demais, animal, incrível, do baralho. Escolha a expressão que quiser para definir a prova do Endurance Brasil no sábado que passou (15) em Santa Cruz do Sul. Uma corridaça ao melhor estilo de algumas provas da IMSA, em pleno fim de semana das 24h de Le Mans. A prova foi repleta de idas e vindas e com ação na pista, literalmente, até a quadriculada. Muito graças aos protótipos, que monopolizaram o show ao impor um ritmo insano de corrida e resistir a um calor errático, em pleno junho, naquela que deveria ser uma das provas mais frias do ano. E fica marcada por motivos bem mais profundos que um dia quente causado por um Niño rebento.


     Os AJR e Ginetta davam claras mostras de que estavam impossíveis já na classificação: Vicente Orige, que fazia dupla com Tarso Marques, colocou o #88 na pole com nova quebra de recorde – com exceção de monopostos – para o circuito, com 1min12s342, meros 21 milésimos à frente do coirmão vermelho e prata pilotado por José Roberto Ribeiro, do duo com o pai Nilson. Estabelecer recorde e tomar de assalto a parte de cima do grid – mais especificamente as seis primeiras posições – não foi uma novidade para os protos, mas o que veio a partir daí foi de despencar o queixo: o primeiro GT no grid, o Mercedes AMG de Júlio Campos, em sétimo, tomou 3s7 do pole position. E ainda viria bem mais.

     Dada a largada, a dupla da primeira fila tomou as rédeas da prova na ordem inversa em que partiram. O duo era comboiado pelo Ginetta dos irmãos Ebrahim mais Pedro Aguiar e outros dois AJR, de Pedro Queirolo/David Muffato e Tiel Andrade/Júlio Martini/Anderson Toso. Logo em sequência, o outro Mercedes AMG do grid, de Xandy e Xandynho Negrão, que mostrava de longe ser o GT3 mais rápido do início de prova. As janelas de paradas obrigatórias mudavam o desenho da prova: o G57 tomou a ponta após o primeiro pit. A liderança, daí até a última parada, passava a ser alternada entre o carro inglês e os AJR #88 e #113. O #65, a essa altura, caía na classificação com uma escapada de pista já no turno de pilotagem do sexagenário Nilson Ribeiro e era quinto.

     Lá na frente, os AJR da JLM Racing monopolizavam a briga pela vitória após o fechamento da última janela. Já com Beto Ribeiro de volta ao comando, o carro de mesmo modelo da NC Racing recuperara a volta perdida e era terceiro, mas ainda distante dos líderes. O Ginetta havia perdido terreno, em especial após um toque na curva 1 com a Mercedes dos Negrão, na ânsia de não perder de vista o #88 na briga pela liderança. O clã campineiro ainda se sustentava na ponta de sua classe, assombrado pelo Porsche de sempre estupenda regularidade de Marcel Visconde e Ricardo Maurício, que também aproveitava a entrada do bicampeão da Stock Car para avançar – todos, no entanto, já devendo voltas para os ponteiros.

     Os rumos da prova mudaram em definitivo perto da centésima das 119 voltas que seriam completadas, com a entrada derradeira do Safety Car. Haveria agora somente um retardatário entre líder e vice-lider – Marques e Muffato, respectivamente. Outros nove carros com voltas em desvantagem separavam este de Ribeiro, que renascia na prova àquela altura. Na relargada, era Muffato quem se mostrava agressivo e dava pinta de que chegaria à ponta. Faltou combinar com Beto: o sul-mato-grossense estava ensandecido. Atropelava cada um que ousava se atravessar em seu caminho até tomar a liderança, a sete voltas do final. Cruzou a linha de chegada somente 3s4 à frente de Marques, num Top5 completado por Muffato, o Ginetta e o AJR #5 da equipe MC Tubarão, este já uma volta atrás.


     Registre-se: foi um resultado deveras emocional para o time de Campo Bom. Era apenas a terceira prova da equipe com o carro e a primeira em que chegaram até o final. Foi a primeira ainda em solo gaúcho pelo Endurance desde a morte de Carlinhos de Andrade, o patriarca da equipe. Quando cheguei ao autódromo, pela manhã, o time estava todo ele reunido e abraçado nos boxes, feito time de futebol antes de entrar em campo. Seu João Carlos certamente teria sorrido com a performance, visto que o protótipo nas cores da Yokohama chegou a ser o carro mais rápido da pista na metade da prova – e o time faturou suas primeiras vitórias no ano nas categorias P2 e GT4L, com Mauro Kern/Paulo Souza e Henry Visconde/Tiel Andrade/Júlio Martini, respectivamente.

     O resultado também foi especial para o time do MRX #75, da Satti Racing. O carro de Emílio Padron, Henrique Assunção e Marcelo Vianna venceu sua primeira prova na classe P3 no ano e ainda faturou o décimo posto na geral – o único carro fora das classes P1 e GT3 a chegar ao Top10, conquistando tal condição no apagar das luzes sobre o Radical de Matheus e Renato Stumpf, outra ótima notícia do sábado. Uma bela conquista, sobretudo para Padron, que viu seu AJR-Honda ser tomado por uma bola de fogo colossal no dia anterior, em incidente que terminou sem feridos – justo na pista onde o mesmo carro estreou e com vitória no ano passado. Os danos ao bólido, no entanto, foram bem menores do que as assombrosas imagens sugerem: soube que boa parte da mecânica e chassis não foram afetadas. E é razoável crer num retorno breve da máquina aos circuitos.



     E os GTs? Chegaram do sexto lugar para trás. A Ferrari da Via Italia, com Marcos Gomes e Chico Longo, cresceu muito na parte final da corrida e se aproveitou de um incidente do Porsche com um retardatário a cinco minutos do fim para vencer na GT3, seguido do Mercedes dos Negrão, que sofreu com pneus mais desgastados após o último safety car. Ambos com duas voltas de desvantagem em relação ao líder, mesma condição do 911 quando abandonou. E aí, em bom gauchês, é que os butiás caem do bolso.
     Vejamos.
     Há dois anos, eu finalmente pude ver o Endurance pela primeira vez ao vivo, também em Santa Cruz. Naquele dia, vendo da arquibancada, parecia impossível derrotar o Porsche dos mesmos Visconde e Maurício, o primeiro supercarro estrangeiro do grid e único até então. A máquina alemã sobrava e dava pinta de vencer sem chegar ao limite. O protótipo que mais se aproximava, ao menos especificamente naquela prova, era justamente o #65 dos Ribeiro - então um MRX -, mas ainda distante do ritmo do carro germânico. A reviravolta nos níveis de desempenho da categoria e o crescimento de seu grid e nível técnico em tão pouco tempo são de embasbacar. Desde então, o carro de Stuttgart, para ficar só nas classes principais, ganhou a companhia de dois Mercedes, Lamborghini e depois Ferrari e Ginetta.


     E o mais incrível disso tudo: eles foram superados por uma dupla de sul-mato-grossenses, com um carro fabricado em Cachoeirinha pela família de um gringo egresso de Veranópolis (JLM/Metal Moro), com motor fechado perto da vila dos Moschettas em Canoas (MotorCar) e gerenciamento eletrônico criado por gente nascida na própria Santa Cruz (FuelTech). A primeira vitória de um AJR que não fosse do time de fábrica, o que mostra que o carro pode ganhar corridas em qualquer circunstância.

     Ainda é cedo para simplesmente dizer que o jogo virou.
     Em Goiânia, os protótipos sucumbiram de maneira coletiva ao calor tórrido.
     Em Curitiba, o AJR #88 venceu, mas teve problemas nas voltas finais e recebeu a bandeirada com o Mercedes dos Negrão montado na própria garupa. A ascensão do protótipo brasileiro, no entanto, pode motivar uma multiplicação de seus exemplares no grid - ou até a vinda de similares estrangeiros para combatê-lós: há outro Ginetta G57 já no Brasil pronto para a peleia, enquanto empresas como a Oreca, que há anos fabrica carros campeões em Le Mans - e outras máquinas como o Acura do Team Penske na IMSA - possuem até representação oficial no país.
     Não esqueçamos ainda de projetos próprios como o Sigma e o DTR, que carecem de quilometragem para entrar na balada dos ponteiros.
     O fato é que não chegará a ser uma grande surpresa se estas Três Horas de Santa Cruz do Sul forem um divisor de águas na hierarquia de forças da categoria.

     Os fãs de automobilismo devem muito a Negrão, Longo, Visconde, Ebrahim e companhia, por terem o privilégio de ver uma categoria espetacular de tal forma e máquinas oriundas de casas sacras da indústria automotiva mundial. As fabricantes maravilhosas sediadas na Alemanha, Itália e Inglaterra que me desculpem: em 15 de junho de 2019, o dia não foi deles. A soberania foi nacional. Os GTs são lindos e rápidos de morrer, mas os protótipos nadaram de braçada.

Geferson Kern



Um comentário:

  1. Que texto bom de ler! Saber do sucesso e do nascimento de novos carros no RS me deixa orgulhoso do meu estado e com mais saudade ainda!

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