segunda-feira, 16 de setembro de 2019

GUAPORÉ, SEIS HORAS DE AÇÃO, By Geferson Kern

     Chuva e sol, dia e noite, confirmações e surpresas.
     Ação, em absoluto, sem tédio. A quarta edição desta era moderna das 6h de Guaporé foi repleta de dicotomias, mas não com relação ao dinamismo do que aconteceu em pista. A corrida foi movimentada de cabo a rabo, com trocas constantes na liderança e movimentos surpreendentes até a última hora de disputa. Como já virou praxe nesta prova, que consagrou sua quarta dupla vitoriosa diferente em quatro edições realizadas na era Super Turismo.
     A classificatória da sexta-feira era uma boa amostra do que a prova reservava. Instantes após perder a pole provisória para Marçal Müller, do Gol #544, Humberto Giacomello partiu para sua última tentativa e recuperou o direito de colocar seu Sonic Stock Car na posição de honra. De quebra, cravou a pole mais rápida da história das 6h, com 1:14.060, média de 149,716 km/h, exatos 0s490 à frente do rival. Os irmãos Rodrigo e Marcelo Lemke, com seu tradicional Línea, dividiriam a segunda fila com a estreante BMW E87, dos experientes Paulo Sousa e Mauro Kern.  
     Instantes antes da largada, o primeiro drama: havia chovido na abafada tarde de sábado na simpática cidade serrana. A pista mezzo úmida mezzo seca fez a direção de prova declarar ser opcional a escolha pelo de uso de pneus slick ou de chuva, bem como ordenar que a largada ocorresse em fila única, atrás do Safety Car. A condição traiçoeira do asfalto fez sua primeira vítima já no giro inicial em bandeira verde: o valente Monza Hatch de Darlan Silva, Daniel Reis e Rafael Corrêa, que colidiu com o muro no mergulho que antecede a freada do Túnel e trouxe o carro de segurança de volta.
    Na frente, Marçal Müller, que chegou a Guaporé com três vitórias nas três provas até então realizadas na temporada 2019 do Gaúcho de Super Turismo, tratava de assumir a ponta. E os favoritos à vitória na geral começavam a sofrer: na volta 19, o Focus de Tiel Andrade/Júlio Martini acusou um problema de suspensão e ficou parado na pista. Quase ao mesmo tempo, o Aldee de Roberto Lacombe/JB Rodrigues procurava os boxes pela primeira vez com problemas de freios, que derrubariam o #33 na classificação e forçariam seu abandono. Na parte de cima da tabela, os quatro primeiros do grid comandavam o pelotão, acompanhados da Maserati de Telmo Tecchio/Cláudio Ricci/Luiz Otávio Floss e da Mercedes CLA 45 AMG de Arthur Caleffi e Luiz Sena Jr.
    Fechada a primeira hora, mais problemas. O Gol-Honda K20, já com Aldoir Sette no comando, precisou de uma parada fora de hora que o fez perder uma volta: na janela obrigatória, foi atingido no para-choque por outro carro dentro dos pits e precisou voltar aos boxes para reparos. A Maserati da equipe CRT também apareceu lenta de supetão e precisou recorrer aos pits, enquanto a BMW de Paulo Sousa surgia na imagem rodando na saída da Curva da Vitória. A essa altura, o Sonic, já com André Senger, recuperava-se de uma largada ruim para aparecer na frente, junto com os consistentes Caleffi e Marcelo Lemke e o surpreendente 308 Stock de Thiago Messias. O carro, do paraibano Carlos Machado, surgia no pelotão da frente após largar em 11º e imprimia um ritmo forte nas primeiras duas horas de prova. Mais atrás, Sette descontava a volta do líder com o Gol e voltava à disputa com o realinhamento do pelotão em nova entrada do Safety Car.
    Como o regulamento prevê que a cada duas horas disputadas considera-se encerrada uma etapa válida pelo campeonato, veio a primeira quadriculada verde e amarela, sem interrupção da prova. Àquela altura, Giacomello liderava no Sonic, seguido de Kern na BMW, Müller no Gol-Honda, Lemke no Línea, Messias no 308 e Luiz Sena Jr. no Mercedes #21. O Aldee de Renato, Ricardo, João Luís e Nicolas Kreuz era o mais bem colocado da linhagem fabricada por Almir Donato, em sétimo, já com duas voltas atrás. A Maserati vinha no décimo lugar, com cinco voltas atrás, uma à frente da outra Mercedes, de Júnior Victorette, Rafael Iserhard e Marcelo Karam, que sofria com o câmbio. Entre as classes menores, o Gol de Catô Belleza e dos irmãos Ike e Reinaldo Halmenschlager já aparecida com destaque: liderava a classe T1 e se infiltrava no Top10 geral da prova.
     A noite chegou e marcou o fim da primeira metade de prova com um stint dominante de Mauro Kern na BMW. A vantagem, porém, não passava de meio minuto sobre Giacomello e Müller, os adversários mais próximos. Este trio, aliás, mostrava a partir daí que concentraria em si a briga pela vitória, distanciando-se de Sena e dos irmãos Lemke, que permaneciam firmes entre os cinco primeiros. O 308 de Messias e Machado perdia terreno e abandonaria mais tarde, tal qual o Aldee da família Kreuz – que daria um susto geral com um princípio de incêndio nos boxes. A equipe Tubarão também desistiria de vez de trazer seu Focus de volta. O Gol dos Halmenschlager mantinha a liderança de ponta a ponta da T1, situação idêntica a do Celta #197 de Sena Jr. e Maicon Roncen na TL. Na T2, Marcio e Tiago Martins lideravam e davam a impressão de que, após três vice-campeonatos seguidos de categoria nas 6h, enfim conseguiriam vencer.
    A metade final de prova mantinha os mesmos atores na briga pela ponta, mas em nova ordem: a Giocar colocou o Gol-Honda na ponta, com Aldoir Sette de volta à pilotagem. A BMW e o Sonic mantinham-se como os únicos carros na volta do líder, como mostrou a segunda quadriculada em verde e amarelo, que determinou a pontuação para a 5ª etapa do campeonato. A parcial da quarta hora mostrava a ascensão de bons nomes na tabela: na TL, chamavam a atenção o Celta #99 de Demílson Andrade/Paulo Flores/Fernando Doval e o Ônix #29 de Bruno Ceccagno e Tiago Takagi. Na T1, o destaque era para os times da casa, com o Peugeot 206 com motor AP de Rui e Rafael Schulz e o Focus de Érico e Edi Postal e Giancarlo Scomazzon.
    A virada decisiva da prova viria a partir da janela derradeira, que marcava a entrada da última hora de corrida. O Sonic de Giacomello/Senger, então em segundo, foi o primeiro dos líderes a parar. O pit stop foi trabalhoso para a equipe Mottin: requereu até solda no interior do carro. Já o Gol de Müller e a BMW de Kern seguiam na pista e deram um tremendo golpe de sorte com o acionamento de uma bandeira amarela em meio à janela. Ambos correram aos boxes e, na saída dos pits, o Gol apareceu inexplicavelmente tombado em meio à escuridão, no lado oposto da pista, pouco antes da curva 1. As imagens não flagraram e a versão que correu nos boxes é de um toque entre Sette e o Celta #197 de Luiz Sena Jr., que saía à sua frente. A colisão destruiu o Gol e o guard-rail, de modo que, mais tarde, após o sistema de som chegar a anunciar que a prova seria encerrada com 75% do tempo de disputa, uma nova bandeira amarela seria acionada para reparos na proteção.
      Em menos de dez minutos, a vitória resolveu sorrir para a BMW de Sousa e Kern. Com o Gol-Honda fora de disputa e o Sonic duas voltas atrás após a parada demorada, a liderança voltava para o carro alemão, com Sousa a bordo para o stint final. Foi possível até fazer uma parada extra para conferir o fechamento do capô e permitir a ultrapassagem em pista do Sonic de Senger. Àquela altura, não havia como tirar a vitória das mãos da afinada dupla do #7, que transformou a equipe MC Tubarão na primeira a vencer a prova em duas edições – o time de Campo Bom havia faturado a corrida também em 2018, de Línea, com Júlio Martini e Matheus Stumpf. Foi também o primeiro triunfo na geral da equipe desde o passamento de seu fundador, o saudoso Carlinhos de Andrade, em abril deste ano – num lugar que, ao que soube, ele tinha planos até de residir num futuro próximo.
     A velocidade foi uma marca indelével da corrida guaporense. Foi a edição mais rápida das 6h, com média de 118,005 km/h e 231 voltas, apenas uma a mais do que a prova inaugural, em 2016. Antes de abandonar, Marçal Müller e Aldoir Sette ainda giraram a volta mais rápida em corrida da história da prova, com 1:15.187, média de respeitáveis 147,472 km/h. O grid de 35 carros igualou aquele que havia sido o maior da corrida até hoje, em 2017. E pela terceira vez em quatro corridas, líder e vice-líder terminaram na mesma volta – a exceção foi justamente a prova de dois anos atrás, quando os irmãos Lemke venceram com quatro voltas de vantagem sobre os irmãos Halmenschlager.
     Aliás, os Lemke sofreram com problemas de homocinética desde pouco antes da última janela e, ali, perderam a vitória na classe TS. Esta ficou com o bravo Aldee da Eltz Preparações, com Fernando Brock, Bica Vianna e Gerson Lopes, todos pilotos recorrentes da Copa Classic. Na T1, os Halmenschlager nadaram de braçada e apareceram de novo no pódio geral, em 5º lugar – na categoria, foram seguidos pelos já citados nativos Postal/Postal/Scomazzon e Schulz/Schulz. A TL foi digna de nota: em que pese o domínio de Roncen/Sena Jr., valeu o pega na última hora entre o Celta de Fernando Schlosser/José Fernando Schlosser/Tonho Sala/Alex Citron, que valeu o segundo lugar na classe e a última vaga no Top10 geral sobre o Ônix de Ceccagno/Takagi. A T2, por fim, viu a vitória do eficiente Corsa de Pedro Ávila e Alessandro Gandra, se aproveitando dos problemas no terço final do Gol dos Martins, que amargaram o quarto vice-campeonato de categoria seguido na prova.
     Registre-se a valentia do Línea dos Lemke, da Mercedes da Impa (de Victorette e companhia) e do Maverick de Leovaldo Petry/Jonas Staudt: os dois primeiros competiram na prova de quatro horas do Endurance Brasil na semana passada, em Interlagos. O último, na mesma data e local, venceu a edição inaugural da prova Gold Classic, para velozes veículos antigos. E todos estavam a postos para boas apresentações na corrida do último sábado.
     Quando se fala em 6h de Guaporé, me lembro de uma corrida realizada em 99, na chuva, como todas as edições da fase de 2016 pra cá, com vitória do #99 – então um Spyder – de Paulo Hoerlle e Antônio Miguel Fornari. Ainda devo ter o Jornal Pit-Stop que recebi na entrada das 12 Horas de Tarumã daquele ano guardado em algum lugar em casa, com uma foto do grid com o Tubarão 2, fechado e já branco, ao fundo. Tudo isso pra dizer que, naquela época, ainda piá, ficava imaginando como teria sido aquela prova. E hoje enfim a vi de perto, com uma nova versão extremamente legal. Democrática, abrangente e disputada até o fim. Manter qualquer coisa com movimento constante por tanto tempo é um feito e tanto, sobretudo nestes dias de imediatismo nas redes sociais que induzem até o mais vacinado dos cérebros ao aborrecimento precoce.
     Ainda: Guaporé é um lugar e tanto. Uma cidade pequena, bonita, agradável e que, de lambuja, tem um autódromo. Cheia de pessoas simpáticas, como o homenageado da vez, o dr. Telvino Michelon, uma figura que tive a alegria de conhecer antes da largada e que emprestou seu nome à prova – não à toa: o médico que ainda hoje atua na área da cardiologia dirigiu voluntariamente o ambulatório da pista por 35 anos. Aliás, é legal ver esse tipo de reconhecimento, que envolve as pessoas e as valoriza – e isso se faz muito e bem por lá. Não à toa gostamos tanto deste lugar, como gostamos das 6h, do Super Turismo e das corridas no Sul como um todo. Que não falte muito para vir a próxima.

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