terça-feira, 3 de setembro de 2019

CALENDÁRIO - Muito além de sua pista preferida! (Pt. 2) By Geferson Kern


     Voltamos ao calendário da Indy e tudo que o cerca. Paramos no dia 27/06, em Richmond. É preciso pontuar que, nesta data, a IndyCar não conseguiu evitar conflito com outra prova de interesse de seus pilotos e equipes, as 6h de Watkins Glen, da IMSA, marcada para o dia seguinte. Talvez fosse mesmo a única data possível para o retorno do pequeno circuito no sul dos EUA, já que correr no fim de semana seguinte está fora de cogitação. E aí voltamos aos meandros da parte inicial do texto.
     O fim de semana seguinte ao de Richmond é o dos dias 4 e 5 de julho. O dia 4 é o feriado da Independência dos EUA, celebradíssimo no país. Desde 1959, este fim de semana, no automobilismo ianque, foi sinônimo da Daytona 400, a outra prova da Nascar além das 500 Milhas em seu principal circuito. 
     Para 2020, a tradição será quebrada: a prova da categoria na cobiçadíssima data será a Brickyard 400, em Indianápolis. A corrida noturna na Flórida fica para o fim de agosto e encerra a chamada temporada regular, em que são definidos os 16 pilotos que avançam aos playoffs para disputar o título, numa aposta da categoria da família France em valorizar a primeira fase de seu campeonato – e também fazer um upgrade do interesse do público na corrida de stocks na famosa jarda de tijolos.
     Oras, a IndyCar (entidade que controla a Indy) e o Indianapolis Motor Speedway possuem o mesmo dono: a Hulman & Company, que quando controlada por Tony Hulman tomou conta do negócio em 1945, quando o IMS estava pra lá de sucateado após a Segunda Guerra Mundial. Por mais que Indy e Nascar nunca tenham exatamente se bicado, é bastante óbvio que a empresa não vai querer dividir as atenções de um grande evento em seu autódromo com outro de sua categoria. 
     Então, quando tem Nascar em Indianápolis, nada de Indy. Como tem sido desde a primeira prova dos stock cars por lá, em 1994. Aliás, se você leu a primeira parte e está aqui é por ter paciência e curiosidade por fatos bem aleatórios ao grande público, então quero dizer que já escrevi sobre essa tradição de corridas em 4 de julho: ela era pra ter sido iniciada em Daytona, de fato, mas pela IndyCar, não a Nascar. Mas o inclinadíssimo oval já era perigoso demais para os monopostos em plena década de 50. A história completa está aqui na página.
     De volta ao calendário e ao mês de julho. A tradicional prova de Toronto conserva sua data na semana seguinte, dia 12/07. 
     Em seguida, vem Iowa, de volta à noite no sábado, em 18/07. Então, uma longa parada até 16/08, quando está marcada a prova de Mid-Ohio, que vinha sendo disputada no fim de semana imediatamente subsequente ao de Iowa com grande sucesso. Então, pra quê mudar?
     Simples: 2020 é ano olímpico. E a NBC, que desde esse ano detém os direitos exclusivos de transmissão da Indy nos EUA, também é a detentora exclusiva dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Tóquio, marcados para ocorrer de 24 de julho a 09 de agosto. Com sua programação na TV aberta e fechada (em canais como a NBCSN) inundada de eventos esportivos a serem transmitidos no período, fica totalmente inviável realizar corrida de qualquer coisa transmitida pela emissora nos fins de semana de 25 e 26/07, 01 e 02/08 e 08 e 09/08. A NBC também é responsável por transmitir a segunda metade do calendário das divisões Monster Cup e Xfinity Series da Nascar, que também farão uma pausa no mesmo período.
     A solução foi realocar Mid-Ohio em 16/08, na antiga data de Pocono – e aqui chegamos ao centro da maior polêmica. Mark Miles, o CEO da Hulman & Company, disse que a prova no tri-oval estava presente até quinta-feira à noite – o calendário foi anunciado no domingo. Contra o circuito da Pensilvânia, pesaram alguns aspectos, mas bem diferentes daqueles que você imagina: entre os pontos citados por Miles, está a ampliação do calendário em uma prova, o que forçaria as equipes a precisarem de mais dinheiro – e patrocínio – aumentaria o número de milhas a serem percorridas ao longo do ano – a durabilidade dos motores é calculada através desta unidade de medida e poderia ter de ser reprogramada, o que também mexeria nos custos.
     A Indy ainda tem outra birra com Pocono: a alegada má promoção da prova. A maioria dos fins de semana de prova é cheio de atrações ao público. Categorias de acesso, convidadas – a Stadium Super Trucks, com as caminhonetes amalucadas idealizadas por Robby Gordon, é presença constante –, desfiles, paradas, sessões de autógrafos com ídolos e o que mais for possível para atrair as pessoas ao local da corrida e mantê-las entretidas. 
     Em Pocono, nos dois dias de programação, o único atrativo extra ao público além de dois treinos livres, um classificatório e da prova em si era um desfile de carros antigos, notoriamente da própria Indy.
     O carro-chefe do circuito vinha sendo as duas provas da Nascar que recebia no ano. E agora as famílias Igdalsky e Mattioli, que administram a pista, tem um belo problema: o circuito não está no gosto da maioria dos fãs de seu prato principal, que consideram as provas lá entediantes. Para 2020, Pocono terá somente um fim de semana de Nascar em todo o ano, em que foram espremidas duas provas da Cup, uma da Xfinity e uma da Truck Series. Com esta alteração e a saída da Indy, o circuito deixa de ter três fins de semana no ano com provas de categorias de primeiro nível para ficar em somente um. 
     Assim tornam-se bem mais compreensíveis as manifestações em público dos donos da pista dizendo que não queriam, de forma alguma, perder a IndyCar. Menos provas é menos gente nas arquibancadas e menos dinheiro no caixa.
     É claro que os recentes episódios em pista pesam de alguma forma. Todos estavam aterrorizados ainda com a pancada de Robert Wickens no ano passado e, em plena primeira volta, tivemos nova carambola neste ano – por favor, vamos deixar o acidente fatal de Justin Wilson fora disso: foi uma situação quase idêntica à ocorrida com Felipe Massa em 2009, em Hungaroring, um dos circuitos mais travados de categorias top do planeta. Mas sigo a voz da experiência de Robin Miller: os aspectos que realmente fazem a diferença para que a prova fique ou saia do calendário estão bem além da pista.
     A situação de Phoenix é bem o oposto do que ocorre em Gateway, palco da corrida seguinte (22/08): a prova voltou ao calendário em 2017 com grande esforço dos donos do circuito. Neste ano, havia anúncios da corrida até na cidade de Indianápolis com seis meses de antecedência. A programação de dois dias teve toda as categorias de acesso da Indy e mais uma série regional da Nascar, a K&N Pro Series East. 
     O resultado é lógico: o público cresce ano a ano. Em 2019, tivemos 42 mil pessoas na arquibancada, um excelente número visto que tem sido difícil – com exceção de Indianápolis, um evento de grandeza global – colocar mais de 25 ou 30 mil pessoas a assistir in loco uma prova num oval. Mesmo a Nascar tem sofrido com a queda de público e não possui números muito maiores do que esse: alguém que sabe das coisas me disse uma vez que as pessoas não se dispõem mais a se afastar muito de grandes centros urbanos, onde ficam os circuitos ovais em sua maioria. 
     O automobilismo também não encanta mais como outrora. A Indy teve seus problemas, como dito na primeira parte. E por essas e outras, é preciso tirar mais e mais o chapéu para o pessoal de Gateway.
     O calendário se encerra quase como neste ano: com a prova de Portland em 06/09, no fim de semana do feriadão do Labor Day, o Dia do Trabalho americano. Duas semanas mais tarde (20/09), o fechamento em Laguna Seca, um circuito travado demais para encerrar a temporada em alto estilo na pista, mas muito bem localizado: fica no rico Estado da Califórnia, numa região de boa economia e cheia de vinícolas, com ótima temperatura para aquela época do ano nos EUA. Ou seja: um excelente evento de encerramento para receber os patrocinadores e fazer negócios – que são importantes, oras. Alguém precisa pagar para que aqueles carros estejam na pista, não é?
     Ainda haveria uma cacetada de outros aspectos a serem citados. É preciso conciliar calendários com os de outras categorias que correm naquelas pistas, transmissões de TV (de junho a setembro, a NBC se divide entre a Indy e a Nascar, o que é outra ginástica para comportar tudo) e programação complementar de categorias de base (a IndyCar tem três delas no Road to Indy, seu programa de acesso à categoria principal). Ou ainda algo básico como a meteorologia – mercados importantes como Flórida, Califórnia e Texas são muito quentes no verão do hemisfério norte, o nosso inverno, portanto se deve evitar provas por lá nesta época. 
     Até a NFL, líder absoluta na preferência sobre qualquer coisa do público americano, influencia: a liga de futebol americano tem sua temporada entre setembro e fevereiro, então ninguém quer correr o risco de concorrer com eles e perder público na arquibancada ou na TV. Você se lembra de 2014 ou 15, quando a Indy chegou a terminar sua temporada em agosto? Não foi por acaso.
     É assim com a Indy e com qualquer outra categoria – OK, na Formula 1 o pessoal parece bem mais ganancioso do que o admissível nessa coisa de definição de pistas, mas a base das coisas é a mesma. Eu também gostaria de ver a Indy de volta a Milwaukee, mas o circuito ficou três anos sem grandes eventos por falta de interesse. Seria maravilhoso estar de novo em Cleveland, mas como arriscar dividir o público se há uma prova ali perto, no mesmo Estado, que é um tremendo sucesso, vide Mid-Ohio? 
     E Michigan e Fontana são circuitos inesquecíveis, mas a mais recente tentativa de correr neste último foi um desastre: cerca de cinco mil pessoas na arquibancada, numa tarde quente de sábado em junho.
     O automobilismo nos encanta pelo que assistimos na pista, mas só existe pelo grande negócio que ocorre fora dele, fora de nosso alcance. O que não necessariamente é ruim: se formos capazes de entender, as decepções diminuirão. E quem sabe possamos até, de alguma forma, fazer nossa parte para que os desejos de rever uma pista que deixou saudades tornem-se realidade.

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