A
Indy divulgou seu calendário para 2020 no último fim de semana. Mais
interessante do que a própria relação de provas e datas, porém, são as nuances
que rodeiam sua formatação. Tenho lido coisas realmente interessantes a respeito
nos últimos tempos – e olha que eu nem convivo nos bastidores para ter
informações realmente reveladoras – e sinto falta de material a respeito em
português, então me pus a considerar alguns tópicos. Antes de qualquer coisa,
esteja ciente: é tudo um negócio em que alguém precisa pagar a conta.
E se
aquela sua pista preferida que deixou saudades não se encaixa nisso, ela
simplesmente está fora do jogo. Sem chorumelas.
O
primeiro encaixe a ser feito envolveu a recém-instituída prova no Circuito das
Américas. Se mantivesse a data ao fim de março na qual esteve neste ano, a prova
de Austin teria de ser realizada em 22 ou 29 de março, o que seria um problema:
a primeira data é a mesma das 12h de Sebring, tradicionalíssima corrida de
Endurance organizada pela IMSA. Há muitos pilotos e times da Indy envolvidos na
prova da Flórida e um bom relacionamento entre as ambas as entidades – a IMSA
faz preliminares para a Indy em Long Beach e Detroit, por exemplo.
Na segunda
data, mais problemas: o conflito se daria com a prova da Nascar no Texas Motor
Speedway, que fica a três horas de carro dali. Ainda por cima, o mesmo circuito
receberia a MotoGP apenas uma semana mais tarde, o que poderia dividir a base de
fãs.
Deu
pra sentir um pouco do drama?
Ressalta-se
que, até 2017, o contrato da Indy com o oval em Fort Worth previa exclusividade
daquele autódromo para provas da categoria no Texas. A cláusula só foi derrubada
quando estabelecido o novo contrato entre as partes, no ano passado, o que
permitiu a inclusão do COTA – e as partes tem tentado manter uma certa política
de boa vizinhança, pelo que se percebe. A solução foi realocar a corrida de
Austin em 26 de abril, após as provas de Barber e Long Beach.
Uma boa sacada
também do ponto de vista logístico, já que uma semana antes as equipes estarão
na California e apenas farão uma parada no Texas para a próxima prova antes de
retornar a Indianápolis, que serve de sede para a maioria e, não por acaso, é a
próxima parada do calendário, com os eventos que dispensam apresentações e
ocupam quase todo o cultuado Mês de Maio.
Aliás,
este será o maio mais movimentado da história da categoria: serão nada menos do
que quatro corridas, numa folha de calendário que, historicamente, sempre contou
com apenas uma – as 500 Milhas de Indianápolis, é claro.
Pois desde 2014, para
tornar a programação do mês mais atrativa ao público, a categoria criou um
grande prêmio no circuito misto do Speedway, a ser disputado em 09/05. E este é
um dos raros anos em que as 500 Milhas não ocorrem no último domingo de maio: o
correto, afinal, é dizer que a prova ocorre sempre no domingo imediatamente
anterior à última segunda-feira do mês, feriado nacional nos EUA – o Memorial
Day, em homenagem aos americanos mortos em guerras. Desta forma, a prova sempre
ocorrerá no máximo no dia 30 e no mínimo no dia 24, exatamente a data deste
ano.
Além
das duas provas na Capital Mundial do Automobilismo, maio terá as corridas da
rodada dupla de Detroit. A data da prova, sempre uma semana após as 500 Milhas,
é bastante contestada pelos fãs – e, imagino, pelos times também: depois de todo
o desgaste do Maio extenuante em Indianápolis, as equipes são submetidas as três
corridas nos dois fins de semana seguintes – ainda há a prova do Texas Motor
Speedway na semana subsequente. Mas, para tudo na vida, há uma explicação, bem
diz a minha mãe: a corrida na Capital do Automóvel tem promoção do grupo de
Roger Penske e é patrocinada pela Chevrolet, uma das fornecedoras de motores da
categoria e sediada na cidade.
A corrida é uma excelente oportunidade para o
Capitão trabalhar suas relações com a montadora, aproveitando a euforia ainda
fresca pela realização das 500 Milhas. E manter boas relações com apoiadores de
tal envergadura também é importante para a categoria. Assim sendo, o Dual in
Detroit está confirmado para os dias 30 e 31/05.
A
data da prova de Detroit é motivo de reclamação, entre outros, de Eddie Gossage,
presidente do Texas Motor Speedway. Em sua visão, a corrida seguinte a
Indianápolis deveria ser no seu circuito, como sempre ocorrera nos tempos de
IRL. Seria um melhor negócio pra ele e também para a categoria, afirma o
dirigente, com a prova seguinte às sempre excitantes 500 Milhas tendo como palco
um circuito conhecido por disputas frenéticas nas provas da Indy, mantendo a
euforia dos fãs em alta.
É possível que ele tenha seu desejo atendido em breve:
a corrida de Detroit só continuou a existir mediante autorização do Departamento
de Recursos Naturais do Estado de Michigan. A permissão vale até 2021 e pode ser
renovada até 2023. O temor do órgão é de que a prova cause danos à Ilha Bela,
região turística e de rica natureza onde está o circuito de rua da única rodada
dupla do campeonato. Para 2020, Gossage vai ter mesmo de aturar outra vez a
prova de Detroit até que os IndyCars desembarquem em sua pista, dia
06/06.
A
semana seguinte ao Texas (14/06) é de Dia dos Pais nos EUA. Os organizadores
costumam evitar provas em datas como esta. Observe que nunca há corridas
americanas na Páscoa (que cai em 12/04 em 2020) ou no domingo do Dia das Mães –
o GP no misto de Indianápolis ocorre sempre no sábado daquele fim de semana. O
mês de junho é completado pelas provas de Elkhart Lake (21/06) e Richmond
(27/06), corrida noturna que retorna ao calendário, onde já esteve de 2001 a
2009.
Vejo com bons olhos o retorno do oval na Virgínia, que será a menor pista
do calendário (com 0,75 milhas de extensão), mas vamos colocar um asterisco aí:
o circuito é de propriedade da International Speedway Corporation, empresa que
tem a Nascar como principal acionista e é dona de 13 autódromos nos EUA. Entre
estes, estão os de Phoenix e Watkins Glen, onde a Indy tentou correr
recentemente sem grande sucesso. E não se esqueça da velha máxima: tudo tem uma
explicação.
Pelo
que pude depreender dos escritos do jornalista americano Robin Miller, sobretudo
na seção semanal do site Racer.com, em que interage com os fãs, os contratos da
Indy com estes circuitos envolviam uma espécie de aluguel pago pela categoria
para ocupar o espaço.
Assim, com caixa garantido, os autódromos, pertencentes
ainda que de forma indireta a uma organização historicamente rival, não faziam
lá grandes esforços para promover as provas de IndyCar que lá ocorriam. Lembro
de ter visto uma carta de um velho fã a Miller que residia na região de Phoenix
e testemunhava não ter visto anúncios da prova em lugar nenhum. Jornal, rádio,
outdoor ou que quer que valia.
Não
é só isso, claro: a Indy perdeu espaço no mercado americano por N razões ao
longo do tempo. Presença maciça de estrangeiros, descaracterização da categoria,
racha CART-IRL, etc. Phoenix era um território da Indy, não da Nascar. Foi
construída para receber os IndyCars e, por quase vinte anos, sediava duas provas
da categoria por ano. Com o passar do tempo, pelas razões superfluamente
supracitadas, os fãs passaram a preferir os stock cars.
O resultado está aí: em
2020, o há pouco reformado circuito de Phoenix será a nova sede da prova de
encerramento da Nascar. Já cada corrida da Indy realizada no Arizona entre 2016
e 2018 não conseguiu colocar nem 10 mil pessoas ao autódromo. Ocorrerá o mesmo
com Richmond? Torçamos para que não.
Ou o leque de ovais que consiga abrigar uma
prova da Indy com segurança e que não resulte em (grande) prejuízo, em especial
por falta de interesse do público, se encolherá ainda mais.
Falamos
apenas sobre a primeira metade do calendário e já estou na terceira página de
Word, com Times New Roman fonte 12 e espaçamento de 1,5. O resto vem amanhã.
Abaixo, o calendário completo da temporada:
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