By Gefereson Kern
Impressionante:
já é segunda-feira e a Penske continua seu fim de semana impecável, vencendo
corridas e/ou campeonatos pelo mundo. Os triunfos da legendária equipe no
Supercars australiano e na IMSA me motivaram a escrever textos a respeito, que
levam o mesmo nome deste, mas que ainda não publiquei. Por isso, ao menos na
minha página do Facebook, a parte 3 sairá antes
da 1 e da 2, numa licença poética que busca equiparar o que aconteceu hoje – e
ontem – na sempre aguardadíssima prova da Nascar em Talladega.
Este
texto poderia perfeitamente se chamar “Spin on Sunday, Win on Monday”, ou “Os
últimos serão os primeiros”. Mal dá pra acreditar em tudo o que aconteceu no
antigo Alabama International Motor Speedway, nome que levou em seus 20 primeiros
anos de existência. Foi uma desforra generalizada, inclusive para as próprias
provas da Nascar no circuito, no ano de seu quinquagésimo aniversário: afinal, a
Cup vinha de uma sequência não mais do que razoável de corridas em Dega. A prova
de outono – no hemisfério Norte – do ano passado havia sido especialmente
frustrante, com os carros da Stewart-Haas alinhados de modo a andar em fila
indiana por todo o tempo num ritmo forte, o que quebrou as possibilidades de
linhas múltiplas. Exatamente o oposto do que vimos nos dois últimos
dias.
Sim,
pois a prova começou no domingo e, em função da chuva, que apareceu logo após o
término do primeiro estágio, foi encerrada no fim da tarde de segunda-feira. A
Hendrick bem que tentou emular o que fez a SHR no ano passado: no qualify, a
exemplo do que fizera na Daytona 500, cravou 1-2-3-4 no grid, com Chase Elliott,
Alex Bowman, William Byron e Jimmie Johnson, nesta ordem. O #24 faturou o
segmento inicial, mas sem vida fácil. Apesar da alternância na ponta, somente
dois incidentes foram registrados: um deles, motivador da única bandeira amarela
do domingo, com Spencer Boyd, vencedor da prova da Truck no superoval, no
sábado. O outro, com Ryan Blaney, que liderava quando rodou ao frear para entrar
nos boxes em bandeira verde, em frente a um pelotão de carros que se preparava
para fazer o mesmo. A trapalhada do #12, porém, não motivou o acionamento do
Pace Car. Mas foi o primeiro capítulo das quase 30 horas de odisseia
sulista.
A
retomada da prova nesta segunda se deu com requintes de insanidade, em doses
crescentes conforme se aproximava o complemento da 188ª volta – número quebrado
que indica terem sido completas as 500 milhas de prova, num circuito que possui
a extensão de 2,66 milhas como uma de suas tantas peculiaridades. Afinal, TODOS
os 12 pilotos ainda vivos na briga pela disputa do título tiveram algum tipo de
problema ao longo da prova e/ou foram protagonistas de acidentes: Alex Bowman,
por exemplo, foi abalroado por Joey Logano ao tentar bloqueá-lo, ainda que tenha
feito mea culpa após a prova, num acidente com dez carros, em acidente que
prejudicou o companheiro Elliot e eliminou o também parceiro de time Johnson e
Kyle Larson – já classificado para a próxima fase por ter vencido em Dover, na
semana passada. William Byron foi acertado por Kurt Busch e levou o mesmo Logano
ao muro. A volta 182 trouxe o esperado Big One e tratou de eliminar quase todos
que ainda resistiam: Kyle Busch, Brad Keselowski, Kevin Harvick e mais oito
carros, entre eles o de Brendan Gaughan, que fez um flip invejável em meio ao
massacre instaurado no final da reta oposta.
O
Big One, especialmente, tratou de eliminar da briga não só os postulantes ao
título, mas também aqueles que correm sem pensar muito no campeonato – e alguns
nomes bem surpreendentes costumam aparecer nas provas de restrictor plate como
Dega. Ricky Stenhouse Jr., que ganhou as duas únicas provas da vida em pistas
com placa restritora e está desempregado para 2020, foi embora. David Ragan, da
pequena Front Row, também com duas vitórias na vida em situação idêntica a do
#17, também foi embora, na última prova de sua carreira na pista – ele se
aposentará ao final do ano. Matt DiBenedetto, que tenta vencer pela Leavine
Family antes de se mudar para a Wood Brothers, foi outro alijado pelo
rendez-vous da volta 182. A prova era tão maluca que até o atual carro do time
dos irmãos Wood foi eliminado na colisão múltipla. O detalhe: o titular do
lendário #21, Paul Menard, havia sido substituído nas últimas voltas da prova no
domingo por Matt Crafton, veterano da Truck Series e também patrocinado pela
empresa da família de Paul, que não suportou as fortes dores no pescoço. Uma
coisa comum no automobilismo até meados dos anos 50, mas que não é frequente de
ser visto desde então.
Depois
da bandeira vermelha, era preciso contar os sobreviventes. Pouco mais de vinte
carros ainda na pista, não muito mais do que uma dezena deles na volta do líder.
Que era Ryan Blaney, aquele mesmo, cujos freios frios o traíram na entrada dos
boxes quando liderava no dia anterior. Blaney que, até Talladega, não fazia
grande temporada: nenhuma vitória e um cenário assustador para o #12 na briga
pelo título, após o abandono em Dover que o fez chegar ao Alabama com 22 pontos
de déficit para a última vaga à próxima fase dos playoffs. O mais contestado dos
pilotos da Penske era acompanhado por outras raposas de superspeedways que
emergiam, como Aric Almirola e Michael McDowell. Nomes improváveis como os dos
irmãos Dillon e de Ross Chastain também apareciam no Top10 para duas voltas
imprevisíveis em bandeira verde.
A
relargada veio e Blaney parecia ter certo controle da situação. Com bloqueios
seguros e bem executados diante de um grid enxuto, cortava o vácuo das duas
filas mais bem estabelecidas. Até que o imponderável se apresenta através de
Ryan Newman, o homem que não vence desde 2013 e ganhou (outra) sobrevida na
carreira neste ano, ao assinar com a Roush-Fenway. O carismático #6 era
empurrado por Denny Hamlin, que preciso reparar um flap solto no capô ainda no
domingo e, até então, em momento algum havia obtido protagonismo na prova. Mesma
situação do companheiro de equipe Martin Truex Jr., outro que sofreu com
problemas desde pouco após a largada e se arrastava na pista com o carro todo
remendado, a exemplo de tantos outros – o próprio Logano, por exemplo, desfilava
pela pista com silver tape a cobrir as marcas de quase todos os seus
patrocinadores.
O
impulso de Hamlin que levou Newman à ponta veio no final da reta oposta já na
última volta. O movimento certeiro e surpreendente parecia decidir a vitória em
favor do herdeiro do eterno carro de Mark Martin, mas ainda havia muita história
a ser escrita até a bandeirada.
Na
entrada do trioval, Chris Buescher foi tocado e acertou o muro. O carro chegou a
sair do chão e o incidente levou junto Parker Kligermann, mas a bandeira amarela
não foi acionada. O que trouxe sobrevida a Blaney, que conseguiu manter a calma
e usar o ar lateral de Hamlin enquanto se mantinha embutido na traseira de
Newman para aproveitar o vácuo do xará. Em seguida, deu um bump sutil na
traseira do funcionário de Jack Roush e brigou com o carro para não perder o
equilíbrio na curva em que ocorre a bandeirada em 9,5 entre 10 ovais deste tipo.
Em qualquer outro oval, seria insuficiente para fazer a vitória mudar de mãos,
mas a pista em questão é Talladega. Pois no minúsculo segmento de reta antes da
quadriculada, os Ryans bateram porta. Trocaram tinta. Rasparam carenagem e todos
aqueles outros bordões que os narradores usariam nesta hora. Almirola embutia na
traseira de ambos e empurrava o carro da Penske enquanto Hamlin abria numa linha
alternativa, quase lado a lado com os ponteiros. A bandeirada veio sem que
ninguém tivesse certeza sobre quem era o vencedor. Só a geração de caracteres e
o posterior photo finish dirimiram as dúvidas: Blaney vencia a prova. Por sete
miseráveis milésimos sobre Newman, na sexta chegada mais apertada da história da
categoria.
Além
de uma volta por cima para Blaney, que praticamente só tinha a vitória como
chance para manter suas possibilidades de título vivas, foi uma celebração
geral: do vencedor, garantido na próxima fase do playoff; da Penske, que em 48
horas venceu um dos campeonatos de endurance mais importantes do mundo (IMSA), a
prova mais prestigiada do Supercars (1000 km de Bathurst) e uma das corridas
mais aguardadas e populares da Nascar; do próprio autódromo, que comemora meio
século com uma corrida inesquecível; e de Richard Childress e Dale Earnhardt
também, afinal: o lendário chefe de equipe completa 50 anos de automobilismo em
2019 e, antes da largada, pilotou em frente ao Pace Car o inesquecível Chevrolet
Monte-Carlo #3, com o qual The Intimidator conquistou a última vitória da vida,
em Dega, na segunda prova de 2000. Até Ryan Newman, que perdeu a vitória de
forma tão dramática e deixou de quebrar um jejum de seis anos, disse que, no fim
das contas, foi uma bela corrida.
E
foi mesmo. Sábio, outra vez, Edgard Mello Filho em suas palavras na transmissão
brasileira ao lado do empolgadíssimo Thiago Alves no canal Fox Sports 2. É por
esse tipo de coisa que a gente ama o automobilismo. A vida pode dar muitas
voltas, nos levar para diversos lugares e nos distanciar até de algumas das
coisas que mais amamos. Mas dias como este(s) em Talladega nos lembram
exatamente quem somos, de onde viemos e do que gostamos. Mesmo nesta vida
mundana por vezes tão caótica quanto uma tarde num superspeedway do
Alabama.
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