terça-feira, 15 de outubro de 2019

NOT A HARD DAY’S NIGHT: A PENSKE RACING’S DAY (pt. 3) By Geferson Kern

By Gefereson Kern

     Impressionante: já é segunda-feira e a Penske continua seu fim de semana impecável, vencendo corridas e/ou campeonatos pelo mundo. Os triunfos da legendária equipe no Supercars australiano e na IMSA me motivaram a escrever textos a respeito, que levam o mesmo nome deste, mas que ainda não publiquei. Por isso, ao menos na minha página do Facebook, a parte 3 sairá antes da 1 e da 2, numa licença poética que busca equiparar o que aconteceu hoje – e ontem – na sempre aguardadíssima prova da Nascar em Talladega.
 

     Este texto poderia perfeitamente se chamar “Spin on Sunday, Win on Monday”, ou “Os últimos serão os primeiros”. Mal dá pra acreditar em tudo o que aconteceu no antigo Alabama International Motor Speedway, nome que levou em seus 20 primeiros anos de existência. Foi uma desforra generalizada, inclusive para as próprias provas da Nascar no circuito, no ano de seu quinquagésimo aniversário: afinal, a Cup vinha de uma sequência não mais do que razoável de corridas em Dega. A prova de outono – no hemisfério Norte – do ano passado havia sido especialmente frustrante, com os carros da Stewart-Haas alinhados de modo a andar em fila indiana por todo o tempo num ritmo forte, o que quebrou as possibilidades de linhas múltiplas. Exatamente o oposto do que vimos nos dois últimos dias.
     Sim, pois a prova começou no domingo e, em função da chuva, que apareceu logo após o término do primeiro estágio, foi encerrada no fim da tarde de segunda-feira. A Hendrick bem que tentou emular o que fez a SHR no ano passado: no qualify, a exemplo do que fizera na Daytona 500, cravou 1-2-3-4 no grid, com Chase Elliott, Alex Bowman, William Byron e Jimmie Johnson, nesta ordem. O #24 faturou o segmento inicial, mas sem vida fácil. Apesar da alternância na ponta, somente dois incidentes foram registrados: um deles, motivador da única bandeira amarela do domingo, com Spencer Boyd, vencedor da prova da Truck no superoval, no sábado. O outro, com Ryan Blaney, que liderava quando rodou ao frear para entrar nos boxes em bandeira verde, em frente a um pelotão de carros que se preparava para fazer o mesmo. A trapalhada do #12, porém, não motivou o acionamento do Pace Car. Mas foi o primeiro capítulo das quase 30 horas de odisseia sulista.
     A retomada da prova nesta segunda se deu com requintes de insanidade, em doses crescentes conforme se aproximava o complemento da 188ª volta – número quebrado que indica terem sido completas as 500 milhas de prova, num circuito que possui a extensão de 2,66 milhas como uma de suas tantas peculiaridades. Afinal, TODOS os 12 pilotos ainda vivos na briga pela disputa do título tiveram algum tipo de problema ao longo da prova e/ou foram protagonistas de acidentes: Alex Bowman, por exemplo, foi abalroado por Joey Logano ao tentar bloqueá-lo, ainda que tenha feito mea culpa após a prova, num acidente com dez carros, em acidente que prejudicou o companheiro Elliot e eliminou o também parceiro de time Johnson e Kyle Larson – já classificado para a próxima fase por ter vencido em Dover, na semana passada. William Byron foi acertado por Kurt Busch e levou o mesmo Logano ao muro. A volta 182 trouxe o esperado Big One e tratou de eliminar quase todos que ainda resistiam: Kyle Busch, Brad Keselowski, Kevin Harvick e mais oito carros, entre eles o de Brendan Gaughan, que fez um flip invejável em meio ao massacre instaurado no final da reta oposta.
     O Big One, especialmente, tratou de eliminar da briga não só os postulantes ao título, mas também aqueles que correm sem pensar muito no campeonato – e alguns nomes bem surpreendentes costumam aparecer nas provas de restrictor plate como Dega. Ricky Stenhouse Jr., que ganhou as duas únicas provas da vida em pistas com placa restritora e está desempregado para 2020, foi embora. David Ragan, da pequena Front Row, também com duas vitórias na vida em situação idêntica a do #17, também foi embora, na última prova de sua carreira na pista – ele se aposentará ao final do ano. Matt DiBenedetto, que tenta vencer pela Leavine Family antes de se mudar para a Wood Brothers, foi outro alijado pelo rendez-vous da volta 182. A prova era tão maluca que até o atual carro do time dos irmãos Wood foi eliminado na colisão múltipla. O detalhe: o titular do lendário #21, Paul Menard, havia sido substituído nas últimas voltas da prova no domingo por Matt Crafton, veterano da Truck Series e também patrocinado pela empresa da família de Paul, que não suportou as fortes dores no pescoço. Uma coisa comum no automobilismo até meados dos anos 50, mas que não é frequente de ser visto desde então.
     Depois da bandeira vermelha, era preciso contar os sobreviventes. Pouco mais de vinte carros ainda na pista, não muito mais do que uma dezena deles na volta do líder. Que era Ryan Blaney, aquele mesmo, cujos freios frios o traíram na entrada dos boxes quando liderava no dia anterior. Blaney que, até Talladega, não fazia grande temporada: nenhuma vitória e um cenário assustador para o #12 na briga pelo título, após o abandono em Dover que o fez chegar ao Alabama com 22 pontos de déficit para a última vaga à próxima fase dos playoffs. O mais contestado dos pilotos da Penske era acompanhado por outras raposas de superspeedways que emergiam, como Aric Almirola e Michael McDowell. Nomes improváveis como os dos irmãos Dillon e de Ross Chastain também apareciam no Top10 para duas voltas imprevisíveis em bandeira verde.
     A relargada veio e Blaney parecia ter certo controle da situação. Com bloqueios seguros e bem executados diante de um grid enxuto, cortava o vácuo das duas filas mais bem estabelecidas. Até que o imponderável se apresenta através de Ryan Newman, o homem que não vence desde 2013 e ganhou (outra) sobrevida na carreira neste ano, ao assinar com a Roush-Fenway. O carismático #6 era empurrado por Denny Hamlin, que preciso reparar um flap solto no capô ainda no domingo e, até então, em momento algum havia obtido protagonismo na prova. Mesma situação do companheiro de equipe Martin Truex Jr., outro que sofreu com problemas desde pouco após a largada e se arrastava na pista com o carro todo remendado, a exemplo de tantos outros – o próprio Logano, por exemplo, desfilava pela pista com silver tape a cobrir as marcas de quase todos os seus patrocinadores.
     O impulso de Hamlin que levou Newman à ponta veio no final da reta oposta já na última volta. O movimento certeiro e surpreendente parecia decidir a vitória em favor do herdeiro do eterno carro de Mark Martin, mas ainda havia muita história a ser escrita até a bandeirada.
     Na entrada do trioval, Chris Buescher foi tocado e acertou o muro. O carro chegou a sair do chão e o incidente levou junto Parker Kligermann, mas a bandeira amarela não foi acionada. O que trouxe sobrevida a Blaney, que conseguiu manter a calma e usar o ar lateral de Hamlin enquanto se mantinha embutido na traseira de Newman para aproveitar o vácuo do xará. Em seguida, deu um bump sutil na traseira do funcionário de Jack Roush e brigou com o carro para não perder o equilíbrio na curva em que ocorre a bandeirada em 9,5 entre 10 ovais deste tipo. Em qualquer outro oval, seria insuficiente para fazer a vitória mudar de mãos, mas a pista em questão é Talladega. Pois no minúsculo segmento de reta antes da quadriculada, os Ryans bateram porta. Trocaram tinta. Rasparam carenagem e todos aqueles outros bordões que os narradores usariam nesta hora. Almirola embutia na traseira de ambos e empurrava o carro da Penske enquanto Hamlin abria numa linha alternativa, quase lado a lado com os ponteiros. A bandeirada veio sem que ninguém tivesse certeza sobre quem era o vencedor. Só a geração de caracteres e o posterior photo finish dirimiram as dúvidas: Blaney vencia a prova. Por sete miseráveis milésimos sobre Newman, na sexta chegada mais apertada da história da categoria.
     Além de uma volta por cima para Blaney, que praticamente só tinha a vitória como chance para manter suas possibilidades de título vivas, foi uma celebração geral: do vencedor, garantido na próxima fase do playoff; da Penske, que em 48 horas venceu um dos campeonatos de endurance mais importantes do mundo (IMSA), a prova mais prestigiada do Supercars (1000 km de Bathurst) e uma das corridas mais aguardadas e populares da Nascar; do próprio autódromo, que comemora meio século com uma corrida inesquecível; e de Richard Childress e Dale Earnhardt também, afinal: o lendário chefe de equipe completa 50 anos de automobilismo em 2019 e, antes da largada, pilotou em frente ao Pace Car o inesquecível Chevrolet Monte-Carlo #3, com o qual The Intimidator conquistou a última vitória da vida, em Dega, na segunda prova de 2000. Até Ryan Newman, que perdeu a vitória de forma tão dramática e deixou de quebrar um jejum de seis anos, disse que, no fim das contas, foi uma bela corrida.
     E foi mesmo. Sábio, outra vez, Edgard Mello Filho em suas palavras na transmissão brasileira ao lado do empolgadíssimo Thiago Alves no canal Fox Sports 2. É por esse tipo de coisa que a gente ama o automobilismo. A vida pode dar muitas voltas, nos levar para diversos lugares e nos distanciar até de algumas das coisas que mais amamos. Mas dias como este(s) em Talladega nos lembram exatamente quem somos, de onde viemos e do que gostamos. Mesmo nesta vida mundana por vezes tão caótica quanto uma tarde num superspeedway do Alabama.

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