segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Indy em Gateway, By Geferson Kern



     Que corrida de Indy foi essa em Gateway – também chamada há alguns anos de St. Louis, em referência à conhecida cidade localizada ali perto, mas do outro lado do Rio Mississipi e já no estado do Missouri. A prova, que de fato ocorre em Madison, Illinois, foi repleta de reviravoltas até a última curva - literalmente. Afinal, é isso o que nos faz amar esse tipo de corridas com tamanho afinco, não é mesmo? De quebra, com casa cheia: fala-se em 42 mil pessoas na arquibancada, o que é um excelente número para estes nossos dias. E este público saiu com ótimos motivos para voltar no ano que vem.

 
     Para começar, a vitória foi de um sujeito que nem devia estar na pista. Depois da pancadaria na largada em Pocono, meio mundo pediu a cabeça de Takuma Sato. Queriam-no suspenso. O japonês se defendeu. Postou um vídeo de sua câmera onboard, que não havia ido ao ar. Foi bancado em público, ainda, pela própria equipe Rahal-Letterman-Lanigan. Ainda assim, quase voltou a encontrar os mesmos Ryan Hunter-Reay e Alexander Rossi na largada. Depois, uma tentativa frustrada de ultrapassagem o fez sair do traçado, forçar um pit precoce, jogou-o pra último e transformou Sato-san no primeiro retardatário da prova. Foi perseverante para reverter o jogo, bem ao seu estilo: desde a corrida 2 de Detroit que não passava do décimo lugar. Nas últimas quatro provas, quatro abandonos. Mesmo sendo conhecido por ser uma roda gigante, tal qual foi a prova da noite de sábado, Takuma vive o melhor momento da carreira: está em sexto no campeonato e, pela primeira vez em dez temporadas de Indy, conseguiu duas vitória num mesmo ano. Para o japonês, a vida (re)começou aos 40 – coincidência ou não, idade que completou há dois anos, quando ganhou Indianápolis.

 
     Por pouco, porém, que o primeiro lugar não ficou com Ed Carpenter. Que desde 2014 compete apenas nos ovais. E que, pelo andar da carruagem, parecia que deveria passar a se focar apenas nas 500 Milhas, onde invariavelmente anda bem. Assim que conseguiu se livrar de Tony Kanaan, Ed partiu como um desvairado pra cima do japonês. É bem razoável pensar que, se tivesse passado uma ou duas voltas antes o brasileiro, com quem conviveu em brigas pela 12ª a 14ª posição por quase toda a prova, conseguiria a ultrapassagem pela vitória. Degustou seu primeiro pódio desde Fontana 2014, quando havia sido terceiro – OK, ele terminou em segundo em Indianápolis no ano passado, mas na maior corrida do planeta, não há de fato um pódio, com banho de champanhe, meninas sorridentes entregando troféus e aquela coisa toda. No esquema tradicional, foi de fato sua primeira aparição na comemoração pós-prova desde aquela corrida no superspeedway californiano.

      Aliás, Ed, com 38 aninhos, foi o caçula de um pódio com média de idade de incríveis 41,3 anos – Takuma está com 42 e Kanaan chega aos 44 no último dia do ano. E é o bom baiano, assim o chamaria Luciano do Valle, quem mais tem a comemorar. Neste ano, tem sofrido feito bicho com o carro da A. J. Foyt. A penúria é tamanha que, mesmo nos circuitos ovais, sua especialidade, vinha sendo duro salvar a honra do time. Ainda assim, ele arrancou um nono lugar em Indianápolis, um décimo em Iowa e um oitavo em Pocono. Ter ido ao pódio quando era dado como liquidado para a categoria por tantos certamente é um dos maiores feitos da carreira de Tony, que tem este como um de seus maiores méritos: ele não se entrega. Foi assim que superou todos os desaforos que o destino pode reservar a um piloto para conquistar Indianápolis. Foi desta forma que passou por cima da perda prematura do pai e das dificuldades financeiras – se lembra da história de que ele dormia na garagem da equipe na Itália, nos tempos da Fórmula Alfa Boxer? – do começo da carreira. Tony é um lutador. Colocou o time do lendário SuperTex no pódio pela primeira vez desde a corrida 2 de Detroit – olha ela aí de novo – de 2015, quando Takuma Sato – o próprio – havia chegado em segundo. Certamente ficará feliz ao olhar a tabela de classificação e se ver não em 15º, mas à frente de um ex-F1 como Marcus Ericsson e de Marco Andretti e Zach Veach, da bem mais estruturada Andretti. E os torcedores brasileiros podem se alegrar de ver que, em circunstâncias que embaralham as forças da categoria, os pilotos locais mostram valor – lembremo-nos do que fez Matheus Leist na corrida no misto do IMS.

      
     Até a reviravolta dar as caras e premiar o trio acima, era pra ter sido a prova da primeira vitória de Santino Ferrucci. Um americano que resolveu trilhar sua carreira na Europa e no ano passado, já na Formula 2 e no terceiro ano como piloto de desenvolvimento da Haas, quase jogou tudo fora num ato de destempero puro, quando bateu o carro de propósito na traseira do próprio companheiro de equipe, Arjun Maini, em Silverstone - na volta de desaceleração, após a bandeirada! O ato típico de sua terra natal, na Nascar, foi extremamente mal visto no mundo da Formula 1. Ainda muito jovem – tem somente 21 anos –, precisou voltar para casa, no que fez muito bem: arrumou abrigo na Dale Coyne e canalizou a agressividade da melhor forma. Circuitos ovais se tornaram sua especialidade. Chegou a dar um chega pra lá em Kanaan na saída dos boxes em Indianápolis. Depois, emendou três quartos lugares em pistas difíceis - Texas, Pocono e agora na própria Gateway. Está agora na frente do experiente Felix Rosenqvist, da poderosa Ganassi, na disputa pelo título de estreante do ano. Já há muito superava, na classificação, o ex-F1 Ericsson e o badalado Colton Herta. Quem sabe seja o nome que a McLaren precisa para recomeçar sua empreitada do outro lado do Atlântico. Ou Conor Daly, que foi o sexto com a Carlin e prova dia após dia que merece receber uma boa chance para cair nas graças do público americano.

      Era pra ter sido também a primeira dobradinha da equipe de Ferrucci, a citada Coyne, mas Sebastién Bourdais, quem diria, jogou tudo fora. O experiente francês foi outra vítima da implacável curva 4. Em saída de box, com pneus frios, tal qual acontecera com Will Power, que parecia ter se aprumado após quebrar um jejum de quase um ano sem vencer, na semana passada, em Pocono. Seabass gerou a bandeira amarela que o eliminou da prova e, sem querer, derrubou a estratégia do próprio Ferrucci – num momento em que a corrida era liderada por uma volta sobre o restante por Sato, Carpenter e Kanaan, que fizeram um pit stop fora de janela 50 voltas antes, durante a bandeira amarela causada pela batida de Spencer Pigot – por duas ou três voltas, gente como Hunter-Reay e Marco Andretti não se pôs na mesma situação. A exceção da turma da frente era Josef Newgarden, que já havia parado, precisaria de mais um pit stop, mas tinha conseguido se colocar na volta do líder. E depois quase jogou tudo pela janela – de novo.

      OK, desta vez ele tem bem menos culpa do que em Mid-Ohio, quando forçou uma ultrapassagem desnecessária pelo terceiro lugar sobre Hunter-Reay na última volta. Em Gateway, Ferrucci tomou uma fechada de Kanaan no fim da reta oposta e ficou sem pai nem mãe nas traiçoeiras curvas 3 e 4. Voltou para o traçado de forma abrupta, mas JoNew podia ter sido um pouco mais cuidadoso para evitar sua rodada, como havia sido ao facilitar a ultrapassagem do mesmo rival dois giros mais cedo. Mesmo tendo feito força outra vez para perder pontos, contou com a inoperância dos rivais: Simon Pagenaud viveu um dia pouco inspirado, Alexander Rossi fez uma estratégia inexplicável de não ir aos boxes na última amarela – e precisou fazê-lo em bandeira verde, o que o colocou como retardatário – e Scott Dixon vive um ano atípico. Desta vez, um problema no radiador derrubou o kiwi, que pontuou meramente como 20º colocado. Newgarden era pra ter saído de Madison com 46 pontos de vantagem para Pagenaud. Saiu com tal distância para Rossi, agora em terceiro, já que entre eles se posicionou o francês, 38 pontos atrás do líder. Dixie tem exatos 70 pontos de déficit para o #2 e, se chegar com tal diferença na última prova, em Laguna Seca, é provável que nem a pontuação dobrada nem sua própria magia salvem sua pele.

  
      O campeonato melhora prova a prova. As duas últimas corridas que puderam ser concluídas tiveram chegadas com menos de um décimo de diferença entre vencedor e segundo colocado – 0s093 em Mid-Ohio, 0s039 em Gateway. E vamos para Portland, casa das duas menores diferenças na bandeirada em circuitos mistos da história da Indy – onde Mario Andretti bateu o filho Michael por 0s070 em 86 e Mark Blundell superou Gil de Ferran numa tumultuada prova chuvosa por 0s027 em 97. No ano passado, a prova teve capotagem na primeira volta e vencedor largando de vigésimo no grid – por sinal, foi Takuma Sato. Desnecessário dizer o quão incalculável será este fim de temporada.

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